Garra, persistência e competitividade fazem de Raul Boesel um exemplo a ser seguido pelos novos pilotos que chegam ao cenário do automobilismo. O campeão nos recebeu em sua casa para um bate-papo e relembramos os principais momentos de sua carreira

B.A. Você retornou à Stockcar na fasefinal do campeonato. Já está pensando na próxima temporada?
BOESEL:Depoisque eu decidi voltar para o Brasil, eu verifiquei que a Stockcar estavaem ascensão. Além de tudo, foi a categoria em que eu comecei a minhacarreira. Houve muito desenvolvimento nesse tempo todo, principalmentenos últimos anos, criando perspectivas muito boas quanto à divulgaçãona mídia, televisionamento e estruturação das equipes.
A Stock é onde eu quero continuar minha carreira aqui no Brasil. Hojetemos duas categorias com grid cheio, a Stock e a Stock Light. Euespero me beneficiar desse crescimento nos próximos anos.
B.A. Para o ano que vem, você já está acertado?
BOESEL:Aindanão, mas a minha idéia e da Aché, que me patrocina, é de fazer algumasprovas este ano, foi entender melhor o funcionamento da categoria, nãosó do lado técnico, como do lado das relações públicas. Até poucotempo, no Brasil, não se sabia fazer isso através das corridas - hoje,as empresas aprenderam a usar o automobilismo como ferramenta demarketing, criando e reforçando relacionamentos, como incentivo afuncionários e clientes e fortalecimento das marcas.
O automobilismo é um esporte muito competitivo e o patrocínio não podedepender só de resultados: na Stock, largam quarenta carros e só umganha. O patrocinador tem que saber explorar o potencial das corridastambém fora da pista. Muitas empresas já descobriram essa forma nova detrabalhar e estão obtendo retorno, independentemente do que acontece naprova.
B.A. Dá para comparar a Stock de hoje com a do começo da sua carreira?
BOESEL:Hápouca coisa em comum. Uma, infelizmente, é o estado de algumas pistas,que não acompanharam o desenvolvimento do automobilismo e da categoria.Minha volta ao Brasil foi em uma prova em Tarumã/RS, e parecia que euestava voltando no tempo. A pista estava pior do que em 1978. Houvealgumas reformas agora, mas ainda está longe do ideal em termos desegurança, boxes e instalações para o público. A categoria cresceumuito, mas em termos de circuitos a gente está devendo. Basta ver asprovas de Buenos Aires e o Rio de Janeiro. Não acredito que isso mudeem curto prazo, mas vai acontecer. A Stock tem público médio acima de35 mil pessoas, elas precisam de um mínimo de conforto, que só existemesmo em São Paulo e Curitiba.

B.A. Uma de suas características semprefoi a persistência. Isso começou antes mesmo de você correr de kart,não?
BOESEL:Nãofoi fácil convencer minha família a me deixar correr. Tudo começou nodia em que um amigo me pediu para ir com ele à pista para ajudar aempurrar o kart dele na largada. Antes, eu praticava hipismo, seguindoos passos do meu irmão mais velho, e cheguei a ganhar dois campeonatosparanaenses. Mas, assim que eu comecei a freqüentar o kartódromo,esqueci o cavalo e só pensava em automobilismo. Eu tinha 15 anos eacabei fazendo uma greve de silêncio dentro de casa. Naquela época, afamília fazia todas as refeições junta e eu chegava da escola e nãodizia uma palavra. Os meus pais acharam que seria coisa de um ou doisdias, mas passou uma semana, duas, um mês e eles começaram a levar asério. Aí, meus padrinhos ficaram sabendo e acabei ganhando um kart deaniversário e tudo começou.
B.A. Como foi a evolução do kart para os carros?
BOESEL:Eucorri dois anos de kart e parei para fazer vestibular. Fui estudarengenharia civil em Itatiba, em São Paulo, mas sempre vinha aInterlagos assistir corridas, com uma vontade de participar... Aí umamigo de Curitiba me convidou para correr com ele na inauguração doautódromo do Rio, numa prova de duas baterias - cada um pilotava emuma. Começamos a correr juntos, mas ele acabou desistindo e eu fiqueicom o carro e passei a andar nas duas baterias. Em 1978, fiz oCampeonato Paranaense e fui vice-campeão, fiz duas provas do Brasileiroe liderei a corrida de Brasília. No fim do ano cheguei em quinto em umacorrida em São Paulo. Foi engraçado, porque no final obrigaram os cincoa abrir os motores e eu não deixei. É que eu tinha vindo de Curitiba nopróprio carro e, se o motor fosse aberto, não tinha como voltar paracasa. Acabei desclassificado...
Em 1979, eu participei da primeira corrida da Stockcar, em Tarumã. Eusou o único piloto daquela prova que continua na categoria: o Ingo sóentrou na segunda, em Guaporé. Minha primeira vitória foi em outracorrida em Tarumã, na chuva. A última prova do campeonato ficou para oano seguinte, como preliminar da Fórmula 1. Eu larguei na primeira filae lembro que vi o Bernie Ecclestone passando em frente e pensei: umdia, vou chegar à Fórmula 1.
B.A. Como foi passar direto do Opala para a Fórmula Ford inglesa?
BOESEL:Tive muitas dificuldades, a começar pela língua. Eu não falava inglês eme comunicava com a equipe por mímica. No primeiro teste, em Sneterton,comecei fazendo o banco errado: como eu estava acostumado com oturismo, queria enxergar e fiz o banco bem alto. Acabei o primeiro diacom dor no pescoço, por causa da força do vento no capacete.
Levei três ou quatro meses para aprender a me comunicar com osmecânicos da equipe Van Diemen. Fiz dois campeonatos, o TowsendThoresen e o RAC e fui vice nos dois. Ganhei nove de 27 corridas. NoRAC terminei empatado em pontos no primeiro lugar e em número devitórias, segundos e terceiros lugares com um irlandês. Acabaram dandoo título para ele por um critério criado uma semana depois: a melhorvolta na última corrida. Bem esquisito. No ano seguinte, fiz oscampeonatos inglês e europeu de Fórmula 3. Ganhei três corridas echeguei entre os três primeiros em doze. Os três primeiros nocampeonato ganharam um teste na McLaren, o que acabou me abrindo umaporta para a Fórmula 1, na equipe March. Olhando para trás, talvez eudevesse ter ficado mais um ano na F-3, para ganhar experiência. Poroutro lado, era uma oportunidade que talvez não voltasse a aparecer eeu resolvi aproveitar.

B.A. Você ficou só dois anos na F-1...
BOESEL:Meumaior problema no início foi a falta de preparo físico. Os carros erammuito pesados, tinham efeito-asa e não existia direção hidráulica. Meucompanheiro na March era o alemão Jochen Mass. Cheguei a me classificarmelhor que ele em algumas provas, mas a equipe estava em decadência eos resultados foram fracos.
No segundo ano fui para a Ligier. Tiveque começar aprendendo a falar francês... Foi um período de transição,o efeito-solo tinha sido proibido e a Ligier, que era uma equipe média,fez um carro muito ruim. E não tinha motor turbo, como os times deponta. Os resultados foram ruins e diminuíram minhas chances de ir parauma equipe melhor. B.A. Por que você foi para os Estados Unidos?
BOESEL:A Fórmula Indy começou a correr também em circuitos mistos e tinhainteresse em pilotos da Fórmula 1. O Teo Fabi já tinha ido para lá. Eupassei 1984 fazendo contatos nos Estados Unidos. Acabei conseguindo umteste na equipe do Dick Simon, no começo de 1985. Ele morava naCalifórnia e eu fui para lá e fiquei hospedado na casa dele. O testeatrasou quase um mês, por causa de problemas com o carro, e eu, semdinheiro, dormindo na sala - era o primeiro a acordar e o último adormir. No teste, em um circuito misto, fui mais rápido que o Dick, odono da equipe, que era um piloto acostumado só com ovais. Acabeipilotando para ele em 1985, primeiro com um carro antigo e, depois, emtoda a temporada de 1986. No final do ano, recebi uma proposta daNewman-Haas, que era uma grande equipe. Só que, no último momento, oMario Andretti, que era piloto do time e tinha muita influência sobreos patrocinadores, vetou a minha contratação e fiquei a pé.
B.A. Isso acabou sendo bom para você.
BOESEL:Um amigo meu viu que a Jaguar estava procurando pilotos para o Mundialde Marcas. Fui para a Europa, fiz um teste e fui contratado na hora. Euseria companheiro do Eddie Cheever, só que ele conseguiu uma vaga naFórmula 1 e não disputou todas as provas. De nove corridas, eu ganheicinco e venci o campeonato sozinho. Acabou sendo o ano mais importanteda minha carreira.
Na metade da temporada eu játinha recebido algumas propostas dos Estados Unidos, da Galles, daDomino's Pizza (Shierson), e outras. Como eu já havia investido muitonos EUA e gostava de correr lá, resolvi voltar. Em 88 e 89 corri pelaShierson.
Em 90, ia voltar para o Mundial de Marcas pela Nissan, mas fui chamadopela Truesports para substituir o Scott Pruet, que havia se acidentado.O problema é que eles estavam desenvolvendo um carro próprio e passarama temporada fazendo experiências em um carro antigo e os resultadosforam péssimos. No final do ano eles abandonaram o projeto.
Em 91, voltei para a Jaguar para correr na Imsa e em Le Mans. Em 92,voltei para a Dick Simon na corrida de Indianápolis e fiquei até ofinal do ano. A equipe havia crescido e, com meu retorno, a Duracellvoltou a patrocinar. Fiquei lá em 93 e 94.

B.A. Você quase ganhou a Indy 500 mais de uma vez...
BOESEL:O problema é que o Dick Simon, em Indianápolis, aproveitava parafaturar e alugava carros para quatro ou cinco pilotos, dividindo osesforços da equipe. Em 93 e 94 eu larguei na primeira fila nas 500Milhas. Em 93 a gente devia ter ganhado a corrida, mas acho que antesda prova já estava decidido que eu não devia levar. A Goodyear davapneus para as equipes maiores, mas a gente tinha que comprar. Aí, oDick Simon se revoltou e disse que iria apagar a marca dos pneus se nãoos recebesse de graça. Durante a corrida meu carro sempre foi o maisrápido, mas eu recebi duas penalidades mal explicadas, que tiraram asminhas chances. Acabei em quarto, mas até hoje esse resultado édiscutido. Eu poderia ter ganho com uma volta de vantagem. Em 96, fuipara a equipe Rahal, que usava o motor Mercedes, que teve muitosproblemas. Em 97, a Brahma resolveu entrar no campeonato e fechou com aequipe Green, que havia sido campeã com o Villeneuve. Só que oengenheiro-chefe da Green saiu e a equipe ficou desestruturada. De 17corridas, meu carro quebrou em 11. Em 98, mudamos para a Patrick, ondejá corria o Scott Pruet. No fim do ano, a Brahma decidiu deixar a Indy.Nos anos seguintes, a categoria se dividiu e eu fui para a IRL. Corriem algumas equipes pequenas até o ano 2000. Em 2001 voltei e fizalgumas corridas de Stock. Em 2002, comecei na Stock, mas em maio fui aIndianápolis e, faltando dois dias para a classificação fui chamadopela equipe Menard para substituir o P.J. Jones, que bateu nos treinos.Acabei largando de novo na primeira fila. Fiz mais três corridas pelaMenard e duas por outra equipe.
B.A. E como foi a volta definitiva?
BOESEL:Em 2003, assinei um contrato para voltar para a Stock pela Repsol. Foiquando eu resolvi voltar definitivamente, por acreditar na categoria. Ocontrato era de três anos, mas a Repsol resolveu sair no fim de 2004,apesar de meu companheiro de equipe, o Davi Muffato, ter sido campeão.Foi uma decisão vinda da matriz da Repsol, na Espanha.
Em 2005, apareceu um patrocínio de última hora, da Embratel, mas foi umano péssimo. Como eu não consegui uma boa equipe para 2006, preferificar de fora. Fiz só as Mil Milhas, onde fui segundo, e as 24 Horas deDaytona. Agora, no final do ano, a Aché resolveu entrar na categoria,já visando 2007. Por isso que eu acabei entrando nas últimas quatrocorridas, para sentir como explorar melhor o potencial da categoria eentrar em 2007 sabendo bem o que fazer. Eu espero estar em uma boaequipe no ano que vem. É claro que, para o piloto, a satisfação vem doresultado na pista. Mas, hoje, a gente trabalha também fora dascorridas, o piloto tem que ter uma visão diferente, fazer palestras,dar entrevistas, lidar com pessoas. O automobilismo está em uma novafase, e eu acredito muito no futuro.
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